O Livro do Destino


A França do século XVIII, incendiada pelo embate da razão ante à moral cristã, teve figuras das mais ilustres, como Diderot, d'Alembert, Rousseau e Voltaire que, com seus escritos, faziam acender luzes numa direção onde não se sabia posível. Os esclarecidos também dispunham de um trunfo que ia para além de suas fronteiras, as Mil e uma Noites.

A tradução de Antoine Galland dos contos de Sherazade (Les Mille et Une Nuits, contes arabes traduits en français) gerou um interesse na cultura oriental à época, intensificado pela inclinação comum aos contos de fadas. Ele era respeitoso com os valores de seu tempo no entanto, o que o levaria a censurar parte das histórias em nome da decência. Um esforço em vão, considerando quem era um de seu contemporâneos...

Em 1748, Voltaire publicou Zadig, ou La Destinée (em português Zadig, ou O Destino), um de seus "contos filosóficos", como chamava o estilo dos romances vindos de sua pena. Nele são contados os infortúnios de um jovem rico da Babilônia e possuidor de uma admirável retidão de espírito, que respeita a todos e ajuda até mesmo aqueles que ofendem-no, sem com isso visar uma boa imagem. Zadig, porém, estranha os costumes de sua época, como os absurdos da superstição e a falsa virtude.

Ao ser introduzido na sociedade, o virtuoso mancebo se expõe a uma enchurrada de atribulações desencadeadas até mesmo por seus nobres gestos, como acudir uma mulher prestes a ser assassinada e ajudar um senhor a ficar saudável. Não importando para onde fuja, sempre lhe seguem os infortúnios. Até quando se encontra numa situação bem-aventurada, um detalhe põe tudo a perder e ele fica cada mais longe alcançar a felicidade pretendida, fazendo com que lamente o próprio destino. Após várias andanças e o trato com as mais variadas personalidades, chega à infeliz conclusão que a vida dos bons é penosa e toda a boa-aventurança é dada aos maus. O destino, porém, garante a Zadig uma oportunidade para provar-se e restituir tudo que é seu. Ao fim, ele descobre que a maldade do mundo é nada mais que uma maneira de desafiar as boas pessoas e algo necessário no mundo terreno.

Algo enternecedor nos contos de Voltaire é a comiseração entre os personagens reféns da mesma sorte. Compreendendo a situação um do outro pelo diálogo, descobrem que não são casos excepcionais e sofrem juntos, apaziguando o sofrimento e fortalecendo a si mesmos para encontrarem um caminho em direção à felicidade.

Ao usar da temática oriental como ambientação, Voltaire conseguiu criticar os vícios da própria sociedade e sair impune, mesmo atacando ferozmente a educação jesuíta, a monarquia e a irracionalidade clerical. Uma obra totalmente subversiva e digna de reprimenda pelos padrões da época (algo contraditório considerando o tratamento inumano que Rousseau recebeu pelo que disse em Emílio, o que dá indícios de que houve um complô dos enciclopedistas e consortes).

Ainda que tenha sido criada como arma, Zadig serve como uma valorosa lição de sabedoria e justiça em relação aos obstáculos com que nos defrontamos durante a vida.