[O Novo Philobiblon]

1ª Parte

Não seria um exagero dizer que vivemos no período mais favorável àqueles que amam os livros. O labor necessário para produzir um exemplar nunca foi tão pequeno e, agora com a produção em massa, já não são necessários os saberes de iluminadores e encadernadores doutos. Num contexto em que a alfabetização é vista como condição sine qua non para o convívio em sociedade, a leitura e posse dos livros, antes fragmentada às classes mais altas, vulgarizou-se, tornando a criação de bibliotecas particulares um objetivo factível à maioria.

It is a man's duty to have books. A library is not a luxury, but one of the necessaries of life. O desenvolvimento de um acervo pessoal não é um luxo, mas uma necessidade a todos, e algo que nos beneficiará durante a vida inteira. Destarte, abordaremos neste artigo um método que tem funcionado para nós no desenvolvimento de um acervo pessoal com as obras máximas da literatura.

O Espírito da Biblioteca

Antes de iniciarmos uma biblioteca devemos definir seu escopo, o que facilitará na realização de escolhas congruentes com nossa visão da unidade informacional ideal. Há vários tipos de bibliofilia: a do amor aos cimélios (livros raríssimos) e às encadernações primorosas, do amor à leitura e ao enriquecimento do intelecto, e a da aquisição desvairada de livros sem que haja interesse quanto aos seus conteúdos (chamada de bibliomania). Todos têm seus próprios méritos, mas aquele em que a leitura serve de princípio é infalível, tendo em vista que, enquanto a leitura dos livros fruir bons sentimentos, nunca haverá seca. Por mais que eventualmente o indivíduo se desfaça de obras, a biblioteca nunca se esvai, ao contrário, se aperfeiçoa.

Neste guia, usaremos como pedra de toque o "plano de uma biblioteca mínima" introduzido por Eduardo Frieiro em Os Livros nossos Amigos, obra que trata extensivamente de tudo que diz respeito aos livros sem ser prolixa. A ideia surgiu da carta de um mancebo que, prestes a mudar-se para uma cidade rural, requisitou ao literato uma lista de vinte livros acessíveis ao leitor principiante e que cobririam sumariamente toda a história da literatura, incluindo brasileiros e portugueses. Disso, Frieiro concebeu uma biblioteca de clássicos com autores únicos em seus respectivos períodos. Eis a lista:

  1. Bíblia Sagrada
  2. Dicionário Contemporâneo de Aulete-Santos Valente (segunda edição)
  3. Larousse Universel
  4. Diálogos de Platão
  5. Don Quijote de la Mancha de Miguel de Cervantes
  6. Ensaios de Montaigne ou Pensées de Pascal
  7. Contos de Voltaire (e.g Cândido, Zadig, O Ingênuo)
  8. El Buscón de Quevedo
  9. Páginas escolhidas de Nietzsche traduzidas por Henri Albert
  10. A Guerra e a Paz de Léo Tolstói
  11. Qualquer obra de Camilo Castelo Branco
  12. Correspondência de Fradique Mendes ou Os Maias de Eça de Queiroz
  13. Os Sertões de Euclides da Cunha
  14. A Rebelião das Massas de Ortega y Gasset
  15. Formas de Vida: Psicologia y Ética de la Personalidad de Eduard Spranger
  16. Guía de la Filosofia de C.E.M Joad
  17. Viagens de Auguste de Sant Hilaire
  18. As Cem Melhores Poesias (Líricas) da Língua Portuguesa por Carolina Michaelis
  19. Obras Primas da Poesia Lírica Brasileira, Seleção de Manuel Bandeira
  20. História Universal de H.G Wells

O que há de mais notável em sua coleção é a afirmação das enciclopédias e dicionários (respectivamente uma edição antiga do Dicionário Aulete e a Encyclopédie Larousse) como o esqueleto de uma biblioteca. Eles constituem guias insubstituíveis na leitura de obras que transcendem nossa época. Os gêneros dignos de nosso interesse na parte subsequente serão filosofia e literatura clássica.

A Aquisição de Livros

Ao mencionarmos editoras e coleções, corremos inevitavelmente o risco de tornarmos o guia obsoleto, portanto, diremos ao futuro leitor que não basta sabermos as opções à venda no mercado, devemos ter um instinto de colecionador para identificar boas edições quando nos defrontarmos com uma avalanche de livros. Temos interesse pelos livros recentes (em virtude do desgaste menor) e prestamos atenção à encadernação, ao material do miolo e à qualidade da tradução. Os livros em capa dura são preferíveis por sua durabilidade, com papel Pólen Bold e Soft, Chambril Avena ou Vergê (o que pode ser identificado pela gramatura espessa e coloração amarelada, ou lido no colofão), que se destacam ante o papel Offset branco por sua facilidade de leitura e não acidez, que garante que o livro durará por mais tempo.

Os nossos meios de adquirir livros são pela visita a livrarias, sebos, bazares e por compras virtuais. Os sebos são o lugar dileto do leitor dos clássicos, visto que é onde os grandes escritores abundam em quantidade e são vendidos por bagatelas. A visita a um sebo nos possibilita contemplar o panorama de toda a literatura; as livrarias, que contêm os últimos lançamentos do mercado editorial, cobram caro e dão espaço maior aos livrecos do momento mas, com uma averiguação atenta, podem oferecer reedições primorosas de escritos imortais; os bazares estarão não raro cheios da mais pobre literatura, como romances de banca, livros de auto-ajuda e espiritualidade barata, mas com preços ainda mais baratos que os dos sebos. Se dermos sorte, encontraremos um bom livro em edição de bolso ou o volume avulso de uma enciclopédia descartada; a pesquisa on-line nos capacita para o encontro com o exemplar mais acessível de uma obra por meio da comparação entre lojas, mas essa benesse tem uma outra face, pois os vendedores usam do mesmo modelo para sua precificação, o que serve de prelúdio aos preços mais absurdos possíveis para livros que nada valem.

Em relação às publicações, as que mais nos agradam são as da Folha de S. Paulo, que podem ser facilmente encontradas em sebos de todo o país e se apropriam das melhores traduções de obras de filosofia (as mais conhecidas do corpus ocidental, como Platão, Santo Agostinho, Maquiavel, Rousseau, Kant, Marx, etc.), sociologia, antropologia, existentes no mercado e publicam-nas em bancas, com capa dura e papel especial. Suas melhores coleções são, respectivamente:

* Não deve ser confudida com a versão da Nova Cultural, de capa azul e formato reduzido.

As únicas que ainda estão à venda são Os Pensadores e Clássicos da Literatura Luso-Brasileira, mas todos podem ser encontrados facilmente em sebos. De resto, gostaríamos de apontar que a coleção de literatura luso-brasileira oferece as obras em seu estado bruto, sem nenhuma nota de rodapé ou fortuna crítica. Eis, portanto, a importância de possuir dicionários e enciclopédias, dos quais trataremos em breve.

Quanto às editoras que podem ser encontradas em livrarias, destacamos as que dedicam-se à publicação de clássicos nacionais e estrangeiros, como a Martin Claret e a Garnier. Além de terem aparências deslumbrantes e boa edição, suas publicações em capa dura são vendidas por preços abaixo do que é comumente praticado no mercado. A Martin Claret também conta com versões de bolso, competindo em qualidade com a L&PM, que recentemente passou a introduzir em seus livros o papel Pólen Soft e capas com papel cartão (mais duráveis e ásperas).

Assim dispomos o método para a compra dos livros de leitura da biblioteca. Vamos, então, aos livros de referência.

Dicionários

O mercado editorial de dicionários vem transitado dos exemplares em capa dura para versões de bolso (ditas escolares), de transporte facilitado e com uma seleção de verbetes que variam de 20.000 a 30.000 verbetes, o que não seria algo ideal para uma biblioteca de obras clássicas por termos que lidar com textos vetustos e geralmente de vocabulário hermético. Portanto, a escolha mais salutar para os nossos fins seria um dicionário que registre o maior número de palavras possíveis, o que é o caso do Dicionário Houaiss (2001), o suprassumo da lexicografia brasileira, que contém mais de 220.000 verbetes das mais diversas áreas de conhecimento, juntamente de sua etimologia e o ano em que passaram a ser usados. Há também uma nova edição publicada em 2009 com as devidas adaptações ao novo acordo ortográfico, mas que não falha em ser penosa em virtude de seu número relativamente menor de verbetes e da quantia pela qual os livreiros estão dispostos a oferecê-la por ser o alvo comum dos compradores. Até mesmo o benefício de ser a mais correta ortograficamente é irrelevante àquele que conhece as novas regras. Uma alternativa coerente o Dicionário Aurélio (2010 - 5ª ed.), outra autoridade da língua, que oferece neologismos da atualidade e exemplos de uso de cada verbete na literatura luso-brasileira. Infelizmente, essas edições rareiam pela falta de inovações editoriais de mesma equivalência e, em breve, podem deixar de serem encontradas à venda.

O dicionário de maior extensão que ainda recebe reimpressões é o Novíssimo Aulete: Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (2011), (o mesmo recomendado por Eduardo Frieiro), publicado em 2011 pela editora Lexikon. Este contém 75.000 verbetes de fácil compreensão e sinalizações para estrangeirismos. Aos que desejarem edições de bolso, a versão escolar deste também se sobressai em relação às demais. Há também o Dicionário Michaelis (2023 - 5ª ed.), que vem acompanhado de dicas de conjugação, esclarecimento de homônimos e das fontes documentais para cada verbete.

Enciclopédias

O mercado de enciclopédias está essencialmente extinto. Essas relíquias do mundo moderno podem ser apenas encontradas em sebos, bibliotecas ou na estante do bibliófilo apegado ao passado. O fim da era do dicionário enciclopédico das artes e ciências foi anunciado em 2012 pela Encyclopedia Britannica, que encerrou suas edições impressas, optando por um serviço digital via assinatura. A última obra desse tipo a existir no Brasil foi a Enciclopédia Barsa, que teve seus direitos de publicação cedidos à Editora Planeta em 2000. Sua edição mais recente data de 2012, com dezoito fartos volumes encadernados em vermelho (ou preto e dourado com corte trilateral dourado para a edição de luxo).

Desde sua criação, a Barsa conquistou imenso reconhecimento por parte da população, ao ponto de seu nome ter virado sinônimo para "enciclopédia" em terras nacionais. Ornada de contribuições por intelectuais notáveis do país, como Antônio Houaiss e Jorge Amado, a posse de uma coleção dessa espécie numa biblioteca particular tornou-se indicador de riqueza. Sua compra em um contexto atual, porém, é custosa demais a alguém apenas minimamente interessado em adquirí-la. Sugerimos então a que temos utilizado em nossa biblioteca particular, a Enciclopédia Novo Século (2002) da Editora Visor, baseada numa editora argentina homônima especializada em obras de referência. Abastecida com onze volumes, compondo 80.000 verbetes que vão da geografia e biografia à física e filosofia, ela se apresenta como um rico recurso ao leitor que almeja expandir seu conhecimento geral e consultar informações acuradas. Sua obsolescência é irrelevante, visto que do acervo depreende-se que o antigo fascina mais do que o atual. Por sua falta de popularidade, esta obra é vendida a preços diminutos. A Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1998), publicada pela Folha de S. Paulo em vinte e quatro volumes, apresenta verbetes de profundidade ideal e sói ser vendida por preço similar.